quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Meu bem, meu mal

Escreveu E.M.Cioran, em seu cáustico e fundamental Breviário da decomposição: "A fonte de nossos atos reside em uma propensão inconsciente a nos considerar o centro, a razão e resultado do tempo".Excluindo a fonte considerada por Cioran como sendo o inconsciente - já que não creio na teoria formulada por Sigmund Freud e levada como um ato de fé por seus seguidores - acredito que é por uma propensão animal, muito mais nitzcheana do que psicanalítica (e sendo, assim, uma propensão a perpetuar a espécie), que nos consideramos o centro, a razão e o resultado do tempo.
Se considerarmos esta como sendo uma premissa verdadeira - pois afinal tudo é hipotético neste mundo de premissas - todo o discurso, seja ele vindo da educação maternal, passando pela escola, as promessas e atos políticos e as manifestações religiosas públicas, é invenção humana. E este discurso, seja ele qual for, tem como princípio manter um grupo coeso para vencer as adversidades.
O poder, que não é apenas o político, como ensina o filósofo Michel Foucault nos artigos, debates e entrevistas do livro Microfísica do poder, mas também o poder prosaico do patrão sobre o empregado, do pai sobre o filho, do homem sobre a mulher, do religioso sobre os seus fieis, do médico em relação ao paciente e até daqueles que dão esmolas, é apenas o reflexo desta crença não mais antropocêntrica, já que o humano quer sobrepor o humano, mas egocêntrica. No máximo, para ser condescendente com a espécie humana (depois de tantas guerras, massacres, genocídios e escravidão), somos tribocêntricos.
E se levarmos adiante a ideia de Nietzsche, quando, apaixonadamente, nos deu uma genealogia da moral, de que o conhecimento é uma invenção (e o conhecimento é sempre considerado bom), o que considerarmos bom ou mal, também é invenção.
Não faltam pistas, artigos, teorias que nos levam à gênese da divisão da moral em boa ou má.
A história é muito maior do que algumas crianças que acabam de nascer neste exato momento em que se escreve a palavra homem. E esta mesma história, sujeita à moral inventada pela ascendência branca ocidental, branca e colonizadora, diz a todo momento que o discurso do bom é tão ditador, cruel e opressor, que todo o culto à maldade.
Mais do que isto. O que estas crianças, que agora já têm alguns segundos de vida, devem aprender conosco, é não se deixar levar pelo maniqueísmo simplório de que o ser humano é bom ou mal, ou de que determinada atitude é boa ou má, ou branca ou negra, ou alta ou baixa...
Este reducionismo, que passa a ser uma defesa, como o gato que eriça o pêlo quando ameaçado, é o que determinou o tipo de ser humano que somos hoje: Opressores, gananciosos, bárbaros, prontos a atirar em outro ser humano por causa de uma buzina no trãnsito.
Por mais paradoxal que pareça, porque muitos se perguntarão: afinal, não é exatamente o ser humano mau que pratica atos violentos?
É o discurso da superiodade moral um dos responsáveis pela degradação do ser humano e pela generalização da violência, porque quando se diz: eu sou bom e ele é mau, estou discursando baseado em uma hierarquia moral inventada. Como a história, infelizmente, é contada pelos vencedores, quem há de negar que o discurso da bondade não é exatamente o discurso do Mal?
Ñão é uma afirmação, é uma tentativa de fazer perguntas que quase ninguém faz, pois é hábito vivermos pelos outros, pensarmos pelos outros, nos espelharmos no discurso moral que não vem dos céus (isto a história está farta de nos mostrar). A própria ideia de céu como paraíso é mitológica, não tem fundamento ou provas, a não ser o da crença.
E ela é tão diversa que se subdivide em várias crenças. E cada uma é fundamentada (surgindo o fundamentalismo) em verdades inventadas. Ao contrário, aqueles que não creem, têm apenas uma crença: que é justamente não crer. O que não deixa de ser também uma invenção.
Portanto, crer ou não crer, ser bom ou ser mau, ser branco ou negro, alto ou baixo, pobre ou rico, são invenções morais (e crer nesta dicotomia, é espalhar hierarquias, que são as responsáveis por parte da violência), muito menos significantes do que o simples fato de estar no mundo, ver o sol, abraçar outro humano, chorar, rir, olhar o infinito e ter a sensação da vida penetrando na pele, os poros.
É viver muito além da ideia de Bem ou Mal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário